Uma das situações mais difíceis na prática médica é aquela que se refere ao DIREITO do doente de saber a verdade sobre sua doença. Não porque alguém possa negar tal direito, o qual todos reconhecem ser necessário. Mas porque contrasta com elementos que pode fragilizar ainda mais o paciente, como a perda da esperança, a perda da capacidade de enfrentar a doença, por uma depressão, não adesão ao tratamento ou até mesmo desistir de viver.
A relação médico paciente é uma das relações humanas mais sensíveis, devido à complexidade desta relação com inúmeros sentimentos envolvidos e com os valores que cada um apresenta na sua singularidade. A relação assistencial em saúde é assimétrica pela própria natureza desse tipo de relação. O paciente está em vulnerabilidade em várias de suas dimensões e o Profissional possui um conhecimento importante além de possuir ferramentas diagnóstica e terapêutica essenciais para o paciente em vulnerabilidade.
Essa relação ocupa não apenas o terreno anatômico ou fisiológico, mas também o social, o espiritual, o legal e o ético. Por isso é que o Profissional tem grandes responsabilidades ao Cuidar da Vida Humana. Com a emancipação do paciente, a relação médico/paciente muda e tem início um novo cenário: surge o Consentimento informado, diretivas antecipadas de vontade, a autonomia de vontade e o direito de recusa. O paciente assume um protagonismo e passa a ser incluído nas tomadas de decisões. Portanto, hoje o grande exercício por parte dos profissionais é a construção das tomadas de decisões compartilhadas.
Dinâmica essa ainda pouco usada e muito se deve ao paternalismo médico, mas com aumento da medicina defensiva e do aumento da judicialização da relação médico paciente, aumentam também os problemas morais e jurídicos. Portanto, o exercício das decisões compartilhadas passa a ser imperativo Um dos pilares da relação médico paciente é a comunicação.
Comunicação essa que deve ser AFETIVA E EFETIVA.
É por meio de uma comunicação clara, sincera, verdadeira, dando tempo para que as informações sejam mentalizadas e processadas, que o VÍNCULO se estabelece.
A manifestação de vontade do paciente precisa ser recebida de forma acolhedora. Ele deve ser informado e subsidiado de forma clara, sem ambiguidades para que sua compreensão lhe permita fazer escolhas prudentes.
Mas é importante frisar, que autonomia é um exercício construído e tem suas responsabilidades. Ao tomar uma decisão autonômica, é necessário compreender as consequências dessa decisão.
A autonomia não é linear, é processual e não precisa ser plena em todos os momentos, pois dependendo da condição ou proposta terapêutica, cabe níveis variados de autonomia. E temos vários tipos de autonomia: Cognitiva, Funcional, Psicológica, Legal. Qual delas deve fundamentar uma decisão autonômica? Todas passam pelo processo informativo.
Portanto, a base moral de uma decisão autonômica é o Consentimento Informado ou Livre e Esclarecido e no menor, o Assentimento.
A assistência em saúde é uma prática dinâmica e precisamos compreender melhor como se dá a relação clínica.
O raciocínio clínico é o mesmo utilizado no raciocínio ético: É de probabilidade e não de certeza. Por melhor que seja o profissional, por mais evidência científica que possa existir, a clínica não é uma atividade de certezas.
Em um mundo ideal teríamos todos as certezas, no mundo real não. Por isso é delicado afirmar que o resultado esperado SEMPRE ocorrerá. Há muitas variáveis presentes.
Quando falamos em deveres médico, do ponto de vista ético, considerando que a Ética é uma disciplina prática que deve aplicada a beira leito, devemos ter em mente que nosso principal DEVER é proteger VALORES.
E uma decisão médica sempre dever ser a melhor decisão possível, considerando crenças e valores do paciente.
Mas o problema surge quando há conflitos de valores e aí se pergunta: QUAL É A MELHOR DECISÃO A SER TOMADA DIANTE DE UM CONFLITOS DE VALORES? Por exemplo: Ao diagnosticar uma doença sem cura e a família do paciente pede para não o informar, qual deveria ser a atitude do médico?
Em tese, a Veracidade é uma virtude norteadora da autonomia, e em certas situações é ela que subsidia o paciente sobre se quer ou não receber um determinado tratamento e é por meio de uma comunicação AFETIVA e EFETIVA que essa construção se dá.
Há uma cultura que existem valores absolutos na Medicina em relação ao paciente, mas na dinâmica da relação médico paciente esses valores precisam ser vistos como Prima Fácie pois ao aplicar um determinado conceito de forma absoluta sem avaliar as consequências, podemos ser mais danosos que benéficos.
Não existe um valor tão absoluto que outro de igual ou maior relevância não se instale, portanto, se há um Dever de informação por parte do médico, há também um direito do paciente de não querer saber.
E a informação visa não só promover a autonomia do paciente, mas também promover e fortalecer o vínculo.
O médico não pode ser ANCIOGÊNICO e sim ANSIOLÍTICO
Penso que o conflito moral não se situa em dizer ou não dizer (informar ou não informar) mas dizer efetivamente o que o paciente deseja e quer saber e de que forma e tempo essa informação pode ser passada.
Concluindo.
O Dever de Informar é um imperativo ético e legal, mas vai existir situações em que o profissional deve ponderar se deveria usar esse dever de forma categórica ou relativa, de tal maneira que o principal propósito deve ser sempre promover o maior bem ao paciente (dois princípios bioéticos dialogam com esse raciocínio: Beneficência e o da Não maleficência (primeiro não cause dano).O paciente tem o Direito de ter todas as informações que lhe diz respeito, mas também têm o direito de recusar receber qualquer informação, e não cabe a equipe impor uma informação que não é desejada pelo paciente ou de maneira autoritária definir que informação quer dar.
Em medicina nunca podemos deixar de considerar que há decisões prima fácie, pois muitas decisões estão no campo da incerteza, daí a importância de se aclarar as informações na busca de decisões prudentes, responsáveis.
*Josimário Silva
Especialista, Mestre e Doutor em Cirurgia pela PUCRS; Especialista em Bioética Clínica pela Fundación de Ciencias de la Salud de Madrid. Espanha. Pós Doutor em Bioética pelo Universidade São Camilo São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdade Católica Imaculada Conceição do Recife. (FICR). Mestrando em Direito Médico pela Universidade de Santo Amaro (SP). UNISA.